segunda-feira, 23 de novembro de 2020

 


O grande líder britânico Winston Churchill, conhecido pelo seu pendor por vaticínios, fez em 1932 uma polêmica declaração: “Daqui a cinquenta anos, nos livraremos do absurdo de criar um frango inteiro par comer o peito ou a asa, e então, cultivaremos essas partes separadamente em um meio adequado. Alimento sintético, obviamente, será usado no futuro”.

 

Churchill errou no prazo, mas acertou na mosca quanto ao vaticínio, que começou a se consolidar pouco após, nos finais da década de 1990, quando a agência espacial norte-americana NASA, ficou extremamente seduzida com a proposta de produzir cultivated meat (carne cultivada), também conhecida como lab-grown meat, cultured meat, healthy meat, clean meat (carne limpa, em vista de não conter patógenos), slaughter-free meat (carne livre de abate) ou ainda, carne in-vitro (definição esta, de cunho laboratorial).

 

Este interesse da NASA justificava-se pelo óbvio motivo de que a lab-grown meat poderia garantir o abastecimento de proteína obtida a partir de células-tronco para longos trajetos espaciais e alimentar os futuros colonizadores dos demais astros do Sistema Solar. Inúmeras agências, universidades e centros de pesquisa em todo o mundo desenvolvido seguiram os passos da NASA, empreitada que a partir do ano 2000 começou a explicitar resultados palpáveis da agricultura celular.

 

Assim sendo, o Simpósio Carne In-Vitro, realizado na Noruega em 2008, apresentou processos de produção de carne cultivada em biorreatores, tanques gigantescos que geravam proteína vermelha com gosto, textura e qualidade absolutamente similar e competitiva com a pastorícia tradicional de bovinos, ovinos e suínos, e igualmente, oferecendo carne de ave no mesmo padrão.

 

Desde então, os avanços da agricultura celular cresceram a passos de gigante. No ano de 2013, o farmacologista Mark Post, professor da Universidade de Maastricht (Países Baixos), apresentou durante o encontro anual do Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum) uma matriz operacional escalável para a carne cultivada na forma do primeiro hambúrguer cultivado em biorreator, uma conferência verdadeiramente icônica em face da enorme repercussão que obteve (Conferir aqui a conferência do Professor Mark Post no vídeo postado pelo World Economic Forum).

 

Mais ainda, os progressos obtidos no campo da biotecnologia abriram espaço para o surgimento de novas empresas e empreendimentos com base na agricultura celular. É assim que na semana que seguiu, o Jornal Jerusalem Post informou a abertura em Israel, do primeiro restaurante do mundo a oferecer carne cultivada à sua clientela: a cantina Chicken, cujo nome (“galinha” em inglês), propõe uma paródia ao dilema pseudo-intelectual a respeito dos galináceos precederem o ovo ou o contrário.

 


Este restaurante, localiza-se ao lado da empresa SuperMeat - fabricante de lab-grown meat - em Nes Tziona, subúrbio de Tel Aviv e em primeira mão, disponibiliza dois tipos de hambúrguer de frango no seu cardápio.  Nas palavras de Ido Savir, simpático CEO da SuperMeat, o recheio do hambúrguer “tem sabor suculento de frango, crocante por fora e macio por dentro, com sabor indistinguível do sabor dos animais abatidos” (Confira aqui o anúncio do restaurante Chicken: https://thechicken.kitchen/).


Atualmente, os clientes não pagam porque o restaurante ainda está em fase de teste comercial experimental e no mais, a atividade aguarda regulamentação por parte das autoridades israelenses. Contudo, mesmo assim, a procura pela novidade tem gerado filas imensas, daí que as mesas do Chicken devem ser reservadas com antecedência. No mais, como contrapartida à gratuidade, os comensais são solicitados a responder perguntas sobre o produto e oferecer um feedback.

 

Confira-se que a SuperMeat foi criada em 2015 para oferecer alternativa às carnes cuja produção exige sofrimento animal (sem meias palavras, todas as carnes, sem qualquer exceção). A empresa pretende lançar sua carne à base de células nas redes de restaurantes dentro de um a dois anos e aumentar a produção com fábricas em escala comercial em cinco anos, passando inclusive a exportar o produto. Sublinhe-se que SuperMeat não está sozinha: é acompanhada de mais cinco destacadas empresas israelenses, integrantes da seleta lista das 30 maiores indústrias globais deste novo - e promissor - ramo de atividades.

 

Note-se que Israel, país menor que Alagoas, mas consensualmente definido “a maior nação start up do mundo”, cujo território não dispõe de nenhum recurso natural de monta (em larga medida um espaço árido e semiárido), além de constituir um pais de ponta na agricultura celular, já está avançando em processos de impressão 3d de alta resolução para inúmeros tipos de carnes e peixes, patentes que cedo ou tarde, irão revolucionar profundamente o mercado global.



Certo é, existem problemáticas religiosas e éticas envolvendo a slaughter-free meat. Em Israel, por exemplo, os rabinos estão divididos a respeito da cultived meat, assim como os imans muçulmanos. Ambos se preocupam como fato da carne cultivada em laboratório estar ou não isenta dos requisitos tradicionais que tornariam este produto kosher (para os judeus) ou halal (para os muçulmanos). Há quem diga que as leis religiosas não se aplicam para a cultivated meat. Contudo, de igual modo há quem pense e afirme o contrário.

 

A mais ver, uma pontuação, entretanto, se impõe: a ponderação ambientalista de que a slaughter-free meat contribuirá para reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), permitirá o consumo de proteína vermelha para bilhões de pessoas de baixa renda e fará cessar as derrubadas e queima de florestas, atividade associada em especial à criação bovina e ao agronegócio.

 


A pecuária em geral, mas particularmente a bovina, é uma atividade perdulária em água e onerosa em recursos. Ocupa vastas extensões de terras que com maior justiça, deveriam estar voltadas para produzir grãos e garantir o equilíbrio dos ecossistemas, agredidos como nunca (Ver neste sentido, dados consignados em WALDMAN, 2019 e 2018a).


Deste modo, 30% da superfície do Planeta, atualmente dedicada à pecuária, poderão ser reflorestados, acabando de uma vez por todas com o fantasma do aquecimento global. Isto sem contar que 40% da produção mundial de cereais, consumida pelos rebanhos em todo o mundo, poderá ser remanejada e alimentar centenas de milhões de esfomeados, muitos dos quais, descendentes de grupos cujas terras, lhes foram, numa ampla coleção de casos, indevidamente apropridas pela ação truculenta dos criadores de gado.

 

Finalmente, o horror dos matadouros e das fazendas de criação pecuária, envolvendo dores, tormentos, maus-tratos, abusos, tortura, confinamento e mutilações para centenas de milhões de bichos confinados, deixará de ocorrer para sempre.


Sigamos então pelo que está por acontecer: em breve.


MAURÍCIO WALDMAN
Jornalista - MTb 79.183-SP
Contato:
mw@mw.pro.br
https://www.facebook.com/mauricio.waldman


Deixe o seu comentário se assim desejar.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 


Livros e Artigos

 

CHURCHILL, Winston. Fifty Years Hence. In: “Thoughts and Adventures”, coletânea de ensaios de Churchill. Acesso on line em:

http://rolandanderson.se/Winston_Churchill_Predictions.php

 

DIAMANDIS, Peter et KLOTER, Steven. Abundância: O Futuro é Melhor do que Você Imagina. São Paulo (SP): HSM Editora. 2012;

 

WALDMAN, Maurício. Água: Escassez e Conflitos no Império da Sede. Coleção Água em Foco Nº. 1, segunda edição, revisada. São Paulo (SP): Editora Kotev. Acesso on line em: https://www.academia.edu/39724187/%C3%81GUA_ESCASSEZ_E_CONFLITOS_NO_IMP%C3%89RIO_DA_SEDE . 2019;

 

WALDMAN, Maurício. Recursos Hídricos: Impactos da Produção dos Alimentos e dos Resíduos Orgânicos. Série Gastronomia, Culinária e Alimentação Nº. 2. São Paulo (SP): Editora Kotev. Acesso on line em:

https://www.academia.edu/39744365/RECURSOS_H%C3%8DDRICOS_IMPACTOS_DA_PRODU%C3%87%C3%83O_DOS_ALIMENTOS_E_DOS_RES%C3%8DDUOS_ORG%C3%82NICOS . 2018a;

 

WALDMAN, Maurício. A Incrível Árvore dos Gansos. Série Meio Ambiente Nº. 6. São Paulo (SP): Editora Kotev. Acesso on line em:

https://www.academia.edu/39789904/A_INCR%C3%8DVEL_%C3%81RVORE_DOS_GANSOS . 2018b.



Webgrafia

 

Conferência The Meat Revolution no World Economic Forum pelo Professor Mark Post, da Universidade de Maastricht sobre carne in vitro (20:16 minutos):

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/transcoded/2/2d/The_Meat_Revolution_Mark_Post.webm/The_Meat_Revolution_Mark_Post.webm.480p.vp9.webm

 

World’s first lab-grown meat restaurant opens near Tel Aviv, por Cnaan Liphshiz Jerusalem Post 20-11-2020, 21:38 (hora local):

https://www.jpost.com/health-science/worlds-first-lab-grown-meat-restaurant-opens-near-tel-aviv-649762

 

Israeli start-up aims to print real meat from cellular ink, por Eythan Halon, Jerusalem Post, 26-01-2020, 19:46 (hora local):

https://www.jpost.com/israel-news/israeli-start-up-aims-to-print-real-meat-from-cellular-ink-615151

 

How Israel Became The Most Promising Land For Clean Meat, por Davide Banis, Revista Forbes, 17-10-2018, 7:32 (hora local):

https://www.forbes.com/sites/davidebanis/2018/10/17/how-israel-became-the-most-promising-land-for-clean-meat/?sh=2326c34d51cb

 

World’s first cell-based chicken restaurant opens in Israel, por Anna  Starostinetskaya, in Veg News, 8-11-2020:

https://vegnews.com/2020/11/world-s-first-cell-based-chicken-restaurant-opens-in-israel

 

Schnitzel from a petri dish? Israeli start-up to grow chicken meat in labs, por Niv Elis, 12-07-2016, 20:51 (hora local):

https://www.jpost.com/business-and-innovation/schnitzel-from-a-petri-dish-israeli-start-up-to-grow-chicken-meat-in-labs-460191

 

 


2 comentários:

  1. O site do blog tem, no seu topo, "Palestras Waldman para 2017", assim, primeiro gostaria de saber, se há novas atualizações?

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  2. Independente da contemporaneidade, a notícia se verídica é ótima. O artigo também.

    Resta entretanto, principalmente em tempos de negacionismo científico, e, conhecedor do lema de Lavoisier, aquele onde "Na Natureza nada se cria, tudo se transforma", resta a pergunta: Como é produzido tal Produto? Tanto quanto à matéria prima, quanto aos meios de produção e eventuais descartes?

    Relevo porém, Segredos de Mercado podem ser contornados sem que sejam violados!
    Grato pela informação!!!

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