O grande líder britânico Winston
Churchill, conhecido pelo seu pendor por vaticínios, fez em 1932 uma polêmica
declaração: “Daqui a cinquenta anos, nos livraremos do absurdo de criar um
frango inteiro par comer o peito ou a asa, e então, cultivaremos essas partes
separadamente em um meio adequado. Alimento sintético, obviamente, será usado
no futuro”.
Churchill errou no prazo, mas acertou
na mosca quanto ao vaticínio, que começou a se consolidar pouco após, nos finais
da década de 1990, quando a agência espacial norte-americana NASA, ficou extremamente
seduzida com a proposta de produzir cultivated
meat (carne cultivada), também conhecida como lab-grown meat, cultured meat,
healthy meat, clean meat (carne limpa,
em vista de não conter patógenos), slaughter-free
meat (carne livre de abate) ou ainda, carne in-vitro (definição esta, de cunho laboratorial).
Este interesse da NASA justificava-se
pelo óbvio motivo de que a lab-grown meat
poderia garantir o abastecimento de proteína obtida a partir de células-tronco para
longos trajetos espaciais e alimentar os futuros colonizadores dos demais
astros do Sistema Solar. Inúmeras agências, universidades e centros de pesquisa
em todo o mundo desenvolvido seguiram os passos da NASA, empreitada que a
partir do ano 2000 começou a explicitar resultados palpáveis da agricultura
celular.
Assim sendo, o Simpósio Carne In-Vitro, realizado na Noruega em 2008, apresentou
processos de produção de carne cultivada em biorreatores, tanques gigantescos
que geravam proteína vermelha com gosto, textura e qualidade absolutamente similar
e competitiva com a pastorícia tradicional de bovinos, ovinos e suínos, e igualmente,
oferecendo carne de ave no mesmo padrão.
Desde então, os avanços da
agricultura celular cresceram a passos de gigante. No ano de 2013, o farmacologista Mark Post, professor da Universidade de
Maastricht (Países Baixos), apresentou durante o encontro anual do Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum) uma matriz
operacional escalável para a carne cultivada na forma do primeiro hambúrguer
cultivado em biorreator, uma conferência verdadeiramente icônica em face da
enorme repercussão que obteve (Conferir aqui a conferência do Professor Mark Post
no vídeo postado pelo World Economic
Forum).
Mais ainda, os progressos obtidos no
campo da biotecnologia abriram espaço para o surgimento de novas empresas e
empreendimentos com base na agricultura celular. É assim que na semana que seguiu,
o Jornal Jerusalem Post informou a
abertura em Israel, do primeiro restaurante do mundo a oferecer carne cultivada
à sua clientela: a cantina Chicken,
cujo nome (“galinha” em inglês), propõe uma paródia ao dilema
pseudo-intelectual a respeito dos galináceos precederem o ovo ou o contrário.
Este restaurante, localiza-se ao lado
da empresa SuperMeat - fabricante de
lab-grown meat - em Nes Tziona,
subúrbio de Tel Aviv e em primeira mão, disponibiliza dois tipos de hambúrguer
de frango no seu cardápio. Nas palavras
de Ido Savir, simpático CEO da SuperMeat,
o recheio do hambúrguer “tem sabor suculento de frango, crocante por fora e
macio por dentro, com sabor indistinguível do sabor dos animais abatidos”
(Confira aqui o anúncio do restaurante Chicken:
https://thechicken.kitchen/).
Atualmente, os clientes não pagam
porque o restaurante ainda está em fase de teste comercial experimental e no
mais, a atividade aguarda regulamentação por parte das autoridades israelenses.
Contudo, mesmo assim, a procura pela novidade tem gerado filas imensas, daí que
as mesas do Chicken devem ser
reservadas com antecedência. No mais, como contrapartida à gratuidade, os
comensais são solicitados a responder perguntas sobre o produto e oferecer um feedback.
Confira-se que a SuperMeat foi criada em 2015 para oferecer alternativa às carnes
cuja produção exige sofrimento animal (sem meias palavras, todas as carnes, sem
qualquer exceção). A empresa
pretende lançar sua carne à base de células nas redes de restaurantes dentro de
um a dois anos e aumentar a produção com fábricas em escala comercial em cinco
anos, passando inclusive a exportar o produto. Sublinhe-se que SuperMeat não está sozinha: é
acompanhada de mais cinco destacadas empresas israelenses, integrantes da
seleta lista das 30 maiores indústrias globais deste novo - e promissor - ramo
de atividades.
Note-se que Israel, país menor que
Alagoas, mas consensualmente definido “a maior nação start up do mundo”, cujo território não dispõe de nenhum recurso
natural de monta (em larga medida um espaço árido e semiárido), além de
constituir um pais de ponta na agricultura celular, já está avançando em processos
de impressão 3d de alta resolução para inúmeros tipos de carnes e peixes, patentes
que cedo ou tarde, irão revolucionar profundamente o mercado global.
Certo é, existem problemáticas
religiosas e éticas envolvendo a slaughter-free
meat. Em Israel, por exemplo, os rabinos estão divididos a respeito da cultived meat, assim como os imans muçulmanos. Ambos se preocupam
como fato da carne cultivada em laboratório estar ou não isenta dos requisitos
tradicionais que tornariam este produto kosher
(para os judeus) ou halal (para os
muçulmanos). Há quem diga que as leis religiosas não se aplicam para a cultivated meat. Contudo, de igual modo
há quem pense e afirme o contrário.
A mais ver, uma pontuação,
entretanto, se impõe: a ponderação ambientalista de que a slaughter-free meat contribuirá para reduzir as emissões de Gases
de Efeito Estufa (GEE), permitirá o consumo de proteína vermelha para bilhões
de pessoas de baixa renda e fará cessar as derrubadas e queima de florestas,
atividade associada em especial à criação bovina e ao agronegócio.

A pecuária em geral, mas particularmente a bovina, é uma atividade perdulária em água e onerosa em recursos. Ocupa vastas extensões de terras que com maior justiça, deveriam estar voltadas para produzir grãos e garantir o equilíbrio dos ecossistemas, agredidos como nunca (Ver neste sentido, dados consignados em WALDMAN, 2019 e 2018a).
Deste modo, 30% da superfície do Planeta, atualmente dedicada à pecuária, poderão ser reflorestados, acabando de uma vez por todas com o fantasma do aquecimento global. Isto sem contar que 40% da produção mundial de cereais, consumida pelos rebanhos em todo o mundo, poderá ser remanejada e alimentar centenas de milhões de esfomeados, muitos dos quais, descendentes de grupos cujas terras, lhes foram, numa ampla coleção de casos, indevidamente apropridas pela ação truculenta dos criadores de gado.
Finalmente, o horror dos matadouros e
das fazendas de criação pecuária, envolvendo dores, tormentos, maus-tratos,
abusos, tortura, confinamento e mutilações para centenas de milhões de bichos confinados, deixará de ocorrer para sempre.
Sigamos então pelo que está por
acontecer: em breve.
MAURÍCIO WALDMAN
Jornalista - MTb 79.183-SP
Contato: mw@mw.pro.br
https://www.facebook.com/mauricio.waldman
Deixe o seu comentário se assim
desejar.
REFERÊNCIAS
Livros e Artigos
CHURCHILL, Winston. Fifty Years Hence.
In: “Thoughts and Adventures”, coletânea de ensaios de Churchill. Acesso on line em:
http://rolandanderson.se/Winston_Churchill_Predictions.php
DIAMANDIS,
Peter et KLOTER, Steven. Abundância: O Futuro é Melhor do que
Você Imagina. São
Paulo (SP): HSM Editora. 2012;
WALDMAN, Maurício. Água: Escassez e Conflitos no Império da
Sede. Coleção Água em Foco Nº. 1, segunda edição, revisada. São Paulo (SP):
Editora Kotev. Acesso on line em:
https://www.academia.edu/39724187/%C3%81GUA_ESCASSEZ_E_CONFLITOS_NO_IMP%C3%89RIO_DA_SEDE . 2019;
WALDMAN, Maurício. Recursos Hídricos: Impactos da Produção dos
Alimentos e dos Resíduos Orgânicos. Série Gastronomia, Culinária e
Alimentação Nº. 2. São Paulo (SP): Editora Kotev. Acesso on line em:
https://www.academia.edu/39744365/RECURSOS_H%C3%8DDRICOS_IMPACTOS_DA_PRODU%C3%87%C3%83O_DOS_ALIMENTOS_E_DOS_RES%C3%8DDUOS_ORG%C3%82NICOS . 2018a;
WALDMAN, Maurício. A Incrível Árvore dos Gansos. Série Meio
Ambiente Nº. 6. São Paulo (SP): Editora Kotev. Acesso on line em:
https://www.academia.edu/39789904/A_INCR%C3%8DVEL_%C3%81RVORE_DOS_GANSOS . 2018b.
Webgrafia
Conferência The Meat Revolution no World Economic Forum pelo Professor Mark
Post, da Universidade de Maastricht sobre carne in vitro (20:16 minutos):
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/transcoded/2/2d/The_Meat_Revolution_Mark_Post.webm/The_Meat_Revolution_Mark_Post.webm.480p.vp9.webm
World’s
first lab-grown meat restaurant opens near Tel Aviv, por Cnaan Liphshiz
Jerusalem Post 20-11-2020, 21:38 (hora local):
https://www.jpost.com/health-science/worlds-first-lab-grown-meat-restaurant-opens-near-tel-aviv-649762
Israeli
start-up aims to print real meat from cellular ink, por Eythan Halon, Jerusalem
Post, 26-01-2020, 19:46 (hora local):
https://www.jpost.com/israel-news/israeli-start-up-aims-to-print-real-meat-from-cellular-ink-615151
How
Israel Became The Most Promising Land For Clean Meat, por Davide Banis, Revista
Forbes, 17-10-2018, 7:32 (hora local):
https://www.forbes.com/sites/davidebanis/2018/10/17/how-israel-became-the-most-promising-land-for-clean-meat/?sh=2326c34d51cb
World’s
first cell-based chicken restaurant opens in Israel, por Anna Starostinetskaya, in Veg News, 8-11-2020:
https://vegnews.com/2020/11/world-s-first-cell-based-chicken-restaurant-opens-in-israel
Schnitzel
from a petri dish? Israeli start-up to grow chicken meat in labs, por Niv Elis,
12-07-2016, 20:51 (hora local):
https://www.jpost.com/business-and-innovation/schnitzel-from-a-petri-dish-israeli-start-up-to-grow-chicken-meat-in-labs-460191